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CRÍTICA | A Filha do Pai Dela (A Fille de Son Père) 2023

Foto do escritor: Pê DiasPê Dias

“ Ela vai voltar. Acontece das pessoas precisarem dar uma volta”.


Disponível em Reserva Imovision (My French Film Festival 2025)



A Filha do Pai Dela (A Fille de Son Père)
A Filha do Pai Dela (A Fille de Son Père)

Um breve romance entre dois jovens de 20 poucos anos: ela uma ativista política, ele...bem, ele aparece chutando uma bola no meio de um bosque com a camisa da seleção argentina. Uma gravidez, um bebê muito fofo como são os bebês e a velha história de se ir à esquina comprar cigarros e não voltar mais. Neste caso, a “fumante” é a mãe Valérie (Mercedes Dassy). Um detalhe que achei propositadamente criativo é o fato do nosso protagonista Étienne vivido pelo ator Nahuel Peréz Biscayart (120 Batimentos por minuto, 2017) ser argentino, aparecendo com uma bola e a camisa da seleção…


O filme de Erwan Le Duc foi uma delicada surpresa, uma comédia singela e agridoce, que nas suas entrelinhas não se furta a discutir uma situação não tão comum: a partida de uma mãe deixando pra trás a filha bebê e o namorado. Sabemos que uma situação dessas é vivada quase 100% pelas mulheres, o tal abandono paterno.


A narrativa se inicia com uma brevíssima narração in off nos apresentando a Étienne. O encontro com Valèrie, a bola caindo perto dela, os cartazes para o protesto, o encontro “ao acaso” com Valèrie, a fuga da polícia, a paixão, a gravidez, a bebê Rosa, a ida à esquina para nunca mais voltar, todas essas cenas parecem um balé. Esses cinco minutos iniciais se passam sem diálogos, a montagem é ágil, trilha sonora deliciosa e de repente já fomos fisgados pela estória, o casal nos cativa, esse pai solo, praticamente um adolescente, nos enche de simpatia e curiosidade.


A montagem (Julie Dupré) continua quase que na mesma pegada, ágil, ao mostrar a passagem do tempo, um arco de 17 anos onde vemos Rosa crescer com a presença do pai e avós paternos, planos detalhes que mostram o encantamento deste pai de primeira viagem e de pouca idade. Podemos colocar também na conta da montagem pequenas situações que a priori não entendemos, causando uma certa inquietação, mas que vão se descortinando na hora certa.


Grande mérito do filme é não julgar a atitude de Valèrie, ela segue como uma ausência na vida de pai e filha, e na nossa também. “A ausência não é um sentimento”, frase dita por Étienne num raro diálogo com Rosa ainda criança, que já mostra os primeiros sinais de seu talento e interesse em pintura. Mas não seria a ausência um sentimento? Porque muitas vezes a ausência nada mais é do que uma presença abstrata que pode nos preencher ou amedrontar.


E finalmente temos Rosa aos 17 anos vivida por Céleste Brunquell (Fifi, 2022) numa interpretação deliciosa (quero muito ver outros filmes com essa atriz), trazendo pra gente a essência do filme, a contraparte dessa convivência e amor entre pai e filha, afinal, ela é a filha do pai dela.


De forma muito delicada e cômica seguimos a vida desses dois personagens absolutamente carismáticos. Rosa adolescente, irônica, talentosa, inteligente, muitas vezes madura pra sua idade e prestes a se mudar para a cidade de Metz para frequentar o curso de Belas Artes. Étienne, treinador de futebol, seguindo leve pela vida, pai que trata a filha de igual para igual, e tão adolescente às vezes. Entretanto, percebemos que ainda há uma dor neste personagem abandonado, que tentou compensar a ausência da mãe justamente com essa relação de igual para igual com Rosa. Afinal, existe uma linha tênue entre a autoridade exercida numa relação entre pai e filhos e se colocar como um amigo da prole.


Ponto para a direção de arte que faz um trabalho muito bom na concepção da casa de nossa dupla adorável: plena claridade, paredes brancas, mas cheias de pequenos detalhes coloridos, quadros pintados por Rosa, porta dos fundos que serve de rota de fuga, uma certa bagunça organizada. Essa casa é a mesma dos pais de Étienne no início do filme, e ali percebemos uma decoração mais reservada e austera.


O cotidiano de Rosa-Étienne é perpassada por personagens igualmente carismáticos acrescentando (mais) humanidade ao universo dos dois: a namorada de Étienne, Hélène (Maud Wyler), motorista de táxi, silenciosa e amorosa, que nunca trata o namorado com condescendência pelo que lhe aconteceu; o namorado de Rosa, Youssef (Mohammed Louridi), num namoro sem sexo (segundo ele, a valorização do amor cortês), mas toda vez que ele dorme na casa de Rosa, foge pela manhã pela janela da casa, mesmo com pleno conhecimento de Étienne sobre presença do rapaz. Youssef de forma bem-humorada simboliza “uma juventude obcecada por sentimentos que nunca viveram”, segundo um diálogo entre pai e filha. E não esqueçamos da pequena participação de Alex (Nicolas Chupin de La Comédie Française) como o amigo corretor de imóveis pragmático de Étienne que está cansado de vender apartamentos que ele gostaria de morar, num pequeno comentário crítico ao capitalismo no filme.


O humor do filme beira um pouco o no sense, mas sem exageros e com fluidez, traduzindo a leveza que o roteiro se propõe. Essa escolha fica evidente na cena em que um time inteiro de futebol sai de dentro de um carro, ou quando no epílogo do filme Étienne vai para Nazaré em Portugal procurar Rosa que está procurando a...mãe, mas não do jeito clichê que podemos imaginar. Ou ainda na cena que Étienne escala um prédio para reencontrar sua amada. Aqui temos que praticar a suspensão da crença, mas ao meu ver, sem prejuízo nenhum da experiência de se assistir esse pequeno filme. Outro núcleo que sinaliza esse humor é a equipe de professoras da escola secundária de Rosa: os alunos elaboram protestos ambientais e políticos bizarros e uma das professoras absolutamente performática vai destruindo cada uma das instalações.


Os momentos dramáticos (sempre transpassados por um certo humor) são compostos por quadros assimétricos, representando angústia e desconforto por uma nova vida que está por vir. Rosa-Étienne lutam internamente com o conflito da futura separação, um assinalando o fato de que Rosa precisa viver a própria vida, a outra dizendo que o pai ainda não está preparado para outro abandono-ausência. Ou quadros simétricos, como na cena em que Étienne é o centro das atenções quando esbanja insegurança no diálogo sobre Valérie com Rosa. O que pode significar uma cena em que Étienne pinta as quatro linhas do campo de futebol após descobrir o paradeiro de Valérie?


A Filha do Pai Dela (A Fille de Son Père)
A Filha do Pai Dela (A Fille de Son Père)
A Filha do Pai Dela (A Fille de Son Père)
A Filha do Pai Dela (A Fille de Son Père)



O uso das cores combina com clima divertido da estória, como no caso da casa de Rosa-Étienne, com objetos de cena coloridos, reflexos de nuvens cor-de-rosa no para-brisa de um carro que cruza a cidade, ou a cena de sedução entre Étienne e Hélène.


O filme se passa na maior parte do tempo dentro da casa de Rosa-Étienne, nas ruas da cidade em que moram, algumas na escola dela. Mas ao final ele se abre lindamente para o mar, numa fotografia espetacular, esperançosa e um tanto assustadora dos rumos que essas vidas que acompanhamos vai tomar. Um comentário de Étienne durante um treino, cuja estratégia de jogo é a formação de um triângulo como criação de um espaço para a liberdade e criatividade da jogada, se materializa ao final, essa figura geométrica com três pontas, e o encontro entre três personagens.


Um filme ensolarado, humanista e tão ético na postura de seus personagens. Um final digno de se abrir um largo sorriso, totalmente forjado naquilo que não é esperado, nada clichê, surpreendente e que nos deixa imaginar o que pode acontecer no restante das vidas dessas pessoas.


A Filha do Pai Dela (A Fille de Son Père)
A Filha do Pai Dela (A Fille de Son Père)

Curiosidades: o título em inglês da obra é No Love Last . Em português, Nenhum amor perdido, que é a frase de um personagem.

A atriz que faz Valérie, Mercedes Dassy é dançarina e coreógrafa, trabalhando mais com teatro, performance e vídeos.

O filme ficou disponível durante um mês na plataforma Filmicca junto a outros longas e curtas escolhidos no My French Film Festival 2025.

Participante da 62ª Semaine De La Critique Cannes 2023 (Film de Clôture)



O uso das cores combina com clima divertido da estória, como no caso da casa de Rosa-Étienne, com objetos de cena coloridos, reflexos de nuvens cor-de-rosa no para-brisa de um carro que cruza a cidade, ou a cena de sedução entre Étienne e Hélène.


O filme se passa na maior parte do tempo dentro da casa de Rosa-Étienne, nas ruas da cidade em que moram, algumas na escola dela. Mas ao final ele se abre lindamente para o mar, numa fotografia espetacular, esperançosa e um tanto assustadora dos rumos que essas vidas que acompanhamos vai tomar. Um comentário de Étienne durante um treino, cuja estratégia de jogo é a formação de um triângulo como criação de um espaço para a liberdade e criatividade da jogada, se materializa ao final, essa figura geométrica com três pontas, e o encontro entre três personagens.


Um filme ensolarado, humanista e tão ético na postura de seus personagens. Um final digno de se abrir um largo sorriso, totalmente forjado naquilo que não é esperado, nada clichê, surpreendente e que nos deixa imaginar o que pode acontecer no restante das vidas dessas pessoas.


Confira o trailer do filme















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