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Crítica| A OUTRA FORMA -“enquadrar-se, distorcer-se, transformar-se, encaixar-se, libertar-se”

Chega aos cinemas “A Outra Forma”, animação em 2D, uma co-produção entre Colômbia e Brasil.

A outra forma
A outra forma

Com produção e distribuição do Estúdio GIZ, o filme tem direção e roteiro do colombiano Diego Guzmán e os brasileiros, o diretor de animação Valu Vasconcelos e o designer de som Marcelo Cyro, e chega aos cinemas do Brasil dia 12 de dezembro em salas em São Paulo, Rio de Janeiro e Juiz de Fora/MG.


Esteve na Seleção Oficial Contrechamp, Annecy (França); Indicado ao Prêmios Quirino de Animação na Categoria de Melhor longa-metragem Ibero-americano;

Melhor longa-metragem Animação em SITGES – Festival Internacional de Cine Fantástico (Espanha); Seleção Oficial International Film Festival Rotterdam (Holanda), Melhor longa-metragem+7, Chilemonos (Chile); Vencedor em seis categorias da Bienal de Cinema Sonoro / BIS (Brasil).

A outra forma


O filme trabalha de maneira inteligente e lúdica com questões filosóficas profundas. Os fundamentos de tais questões, ligados à existência e condição humanas e à vida em sociedade, permeiam a história da filosofia e são aqui tratados com grande originalidade. Traz também alertas e reflexões para o mundo contemporâneo de maneira concreta e bastante direta.

É-nos apresentada uma sociedade na qual os humanos vivem propositalmente deformados. Este mundo impõe tal deformação como única possibilidade de aceitação social, com punições para os que não se submetem a ela. A animação aproveita as possibilidades imagéticas para tensionar os limites dos corpos das personagens, assim como algumas leis da física. Uma vez que esse mundo é clara e solidamente estabelecido para nós, o roteiro se desenvolve com muita criatividade e habilidade, fluidez de ritmo, coerência no plano do enredo e da estrutura.

O tema principal lida, de maneira ao mesmo tempo literal e simbólica, com a ideia de “enquadrar-se”, “encaixar-se”. As pessoas precisam se encaixar em formas quadradas através de ferramentas que, ao longo da vida, forçam a adequação do corpo a esses moldes. Do mesmo modo, todas as construções, paisagens e objetos são quadrados ou retangulares, incluindo a própria Lua. Ao longo do filme, passamos a compreender como essas características afetam as personagens.

 A partir disso, o filme desenvolve várias situações que exploram, de maneira mais ou menos direta, diversas outras questões. A tópica de uma sociedade que prioriza a imagem/aparência de quem somos, mais do que quem somos de fato, integra o complexo de características e condições que são impostas, que acabam enraizando na mente das pessoas. Uma curiosa sequência mostra uma modelo, cuja imagem está espalhada em diversos posters, sendo afetada quando vê uma de suas fotos ser rasgada na região do rosto. Pessoas começam a olhá-la de forma estranha após verem a imagem do poster, e ela se desespera como se o seu próprio rosto tivesse sido afetado. A tópica da fé surge de maneira igualmente interessante: as pessoas são forçadas a se “enquadrar”, a entender que isso é uma espécie de “dever moral”, e que um tipo de “Paraíso” (a Lua quadrada) será a recompensa - é para onde são enviados os que já estão “prontos”.

 O filme não tem falas. As músicas e efeitos sonoros são de grande força narrativa e dramática, além de elementos representativos (até mesmo os créditos finais apresentam uma música com presença de sons equivalentes ao das ferramentas e máquinas do filme). A música é fundamental para, além da ambientação das situações, transmitir as emoções e sensações das personagens. A união da trilha sonora com as imagens que por vezes se distorcem ou se sobrepõe mostram mais profundamente as transformações psicológicas das personagens, o belo e dolorido processo de auto-consciência que acontece ao se perceber que a deformação imposta, ensinada aos seres humanos como modo correto de “formação” educacional, é na verdade “de-formação”.

  Por ser uma obra tão rica na construção do plano simbólico, é possível ir além nas próprias reflexões filosóficas. Se por um lado acompanhamos a gradativa lembrança da personagem central a respeito de um mundo anterior à forma quadrada (sendo esse o ponto de vista da personagem, com acontecimentos que teriam ocorrido na época de sua infância), por outro nunca vemos um tipo de “vilão” concreto além da própria circunstância dada. Se é possível pensar um mundo propositalmente formatado para aprisionar as pessoas (no nível sócio-político, por exemplo, por qualquer razão), e que há uma possibilidade de libertação e transformação, é também possível lermos de forma inversa: as limitações como sendo a própria condição humana que, por sua vez, permite um processo de busca e desenvolvimento interno de cada ser humano (consciencial, espiritual, etc., dependendo da vertente filosófica ou religiosa a se seguir), o qual pode levar à conquista de um Ser em potencial, transcendendo as circunstâncias colocadas inicialmente. Ambas as leituras são possíveis e não excludentes.

  “A Outra Forma” é um excelente filme, merecendo bastante destaque por suas inúmeras qualidades temáticas e técnicas, por sua criatividade e profundidade, e por conseguir apresentar de maneira leve, interessante e lúdica questões tão sérias e atemporais. Um dos melhores filmes a que assisti este ano.


FICHA TÉCNICA

COLÔMBIA/Brasil | 2022 | 92 min. |Animação | 12 anos | Idioma: sem diálogos

Título Original:  La Otra Forma

Direção e Roteiro: Diego Guzmán

Direção de animação: Diego Guzmán, Valu Vasconcelos

Produção: Carlos Smith Rovira

Coprodutores: Aline Mazzarella,  Matheus Peçanha

Produção Executiva: Felipe Fernandes, Sebastián Patiño

Editor: Diana Eraso, Luka Melero

Direção de Arte: Sergio Chaves

Desenho de som e mixagem: Marcelo Cyro, Arcadia Sonora, Javier Prada, Diego Bernal

Música original: Daniel Velasco


Redes sociais: @diegoguzmanart @valustudios @marcelo.cyro @estudio.giz

 

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