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Foto do escritorPê Dias

Crítica | Malta (Malta, 2024): "A lentidão de uma vida comum mastigada no passar dos dias"

Quantos filmes colombianos podemos ver? Termos acesso a eles? Há alguns meses dei uma espiada numa sinopse (considerando que a maioria delas é flagrantemente equivocada), de um filme que provavelmente o algoritmo da Netflix me sugeriu, salvei na minha lista e enfim assisti.


*Disponível na Netflix


(Malta, 2024)
(Malta, 2024)

Uma jovem chamada Mariana (Estefania Piñeres, guardem esse nome) está infeliz no trabalho (quem nunca?), tem uma vida amorosa e sexual complicada (atire a primeira pedra…) e sonha ir para Malta um dia, um arquipélago europeu próximo à Sicília na Itália.

Não nego minha cada vez mais vontade de assistir filmes de diretoras e apesar de não ter pensado nisso na hora que li a sinopse, ele é dirigido e roteirizado por uma mulher, a Natália Santa (guardem esse nome também), que foi a primeira diretora colombiana a ter participado do festival de Cannes em 2017, na Quinzena dos Realizadores, com o filme A Defesa do Dragão que dirige e roteiriza.


Feita as devidas apresentações que precisava dividir com vocês, já que a provocação de quantos filmes colombianos podemos ver me estimula a pesquisar sobre quem faz cinema nesse nosso país vizinho, temos aqui um filme sem reviravoltas, grandes arroubos emocionais, romances lacrimejantes. É no passar dos dias, do trabalho extremamente chato de nossa protagonista Mariana, mas que a permite pesquisar e sonhar com Malta, nas baladas e bares da noite à procura de afeto e sexo, e na convivência intricada com a família que a estória segue seu ritmo, nas possíveis identificações que teremos com os personagens.

O roteiro enxuto vai descortinando aos poucos quem é essa pessoa no mundo, a Mariana que, ainda mora com a mãe e a irmã, estuda alemão à noite, ouve muitos podcasts nessa língua, não tem medo de paquerar e se aproximar de algum rapaz que lhe seja interessante na balada, mesmo que alguns encontros “fracassados” nos faça rir muito e outros no entanto, mostra a violência de gênero que sempre está à espreita (a mulher hétero nunca tem paz).


(Malta, 2024)
(Malta, 2024)

Nossa personagem à primeira vista é fechada, antipática, não entendemos tanta hostilidade na convivência com a mãe e a irmã e uma certa admiração e defesa do irmão que foi embora de casa sem explicação. Mas, a narrativa vai sem pressa, com diálogos duros e ressentidos, porém, cheios de um afeto que não se consegue se manifestar de uma forma imprescindível para nós seres humanos, o toque, o encontro dos corpos; evidenciando as fragilidades desses personagens, seus defeitos, qualidades, humor, motivações, dores.

Quando as coisas difíceis não são conversadas e sim enterradas num núcleo familiar, a qualquer tremor, podemos desabar. Tal qual a cada peixinho dourado que morre e é enterrado nos vasos de plantas da matriarca.

O roteiro também nos leva a temas atuais como o alcoolismo e o abandono paterno. E, no meu entender, inova quando temos a capacidade de nos perguntar: por que é mais aceitável o abandono de um marido ao se apaixonar por outra mulher e o contrário não? Há também um arranjo interessante, porém triste para Mariana, entre as duas filhas e o filho de Julia (falarei dela mais à frente) e o pai, porém falar mais sobre isso estragaria a experiência fílmica.


Em um momento que se discute um cinema pudico onde não há mais cenas de sexo e quando às têm são insossas, ou essa exigência estranha de que não pode haver cenas “gratuitas” de sexo, nos envolvemos numa cena deliciosa, engraçada, afetuosa, delicada de prazer a dois e, claro, tesão.

Todas as interpretações estão sob medida, desde o sobrinho de Mariana, uma criança, até a Julia, mãe da protagonista, vivida pela atriz Patricia Tamayo que acredito ser uma atriz veterana do cinema e teatro colombianos. A personagem da Julia através dos seus diálogos externaliza rancores, uma tristeza profunda e talvez alguns arrependimentos das escolhas feita em seu viver. Depois de uma cena relevadora sobre a personagem não há como não acolher a sua dor.

É muito palpável o amor, a cumplicidade e também a raiva que existe entre Mariana e sua irmã Mônica (Angela Rodriguez), assim como o irmão Rigo (Edwin Riveros), amado por suas irmãs porém, criticado pelo sumiço e possível abandono paterno. Trata-se de um personagem que vai e vem quando lhe é conveniente, enquanto que as personagens femininas é que devem lutar para pagar as contas, cuidar da casa com todos os seus afazeres e do avô doente.


Em uma cena, que dialoga comigo de forma muito particular, Mariana e seu colega de curso/amigo/crush Gabriel (Emmanuel Restrepo) estão de frente a uma casa na qual ela já morou e que está à venda. Ao conseguir entrar nela, nossa protagonista se vê diante de como a memória pode nos trair, já que o tamanho do quintal eram muito menor do que ela sempre acreditou. Ao mesmo tempo, essa mesma memória “dá um clique” na personagem a ponto dela reconhecer que foi naquela casa que morou, mesmo com a fachada diferente.

Os pequenos dramas cotidianos que esse filme nos revela não se resolvem em tela. Eles seguem o fluxo da vida, de vida de qualquer um de nós. Para alguns isso pode ser uma falha de roteiro, como se fossem subtramas que não se convergem ou não se findam de forma satisfatória. Pra mim as questões deixadas no ar são o que mais me estimula a esmiuçar a minha própria vida e meu cotidiano.

Mariana enfim foi à Malta? E quantos sonhos podem caber numa vida?


Curiosidades: Através desse filme descobri a existência do FICCI, Festival Internacional de Cine de Cartagena de Índias (cidade natal da atriz Estefania Piñeres) que existe desde 1960, sendo o mais antigo da América Latina. E também descobri o SXSW Film & TV Festival que ocorre anualmente em Austin, Texas e que celebra inovação e novos talentos do cinema e na televisão.


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