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‘Manas’, primeiro longa-metragem de ficção Marianna Brennand, conquista prêmio máximo da Giornate Degli Autori, no Festival de Veneza

Cineasta se torna a primeira brasileira a vencer o Director’s Award com filme rodado na região amazônica sobre jovem de 13 anos que decide confrontar a engrenagem violenta que rege a sua família e as mulheres da sua comunidade


‘Manas’, primeiro longa-metragem de ficção Marianna Brennand
‘Manas’, primeiro longa-metragem de ficção Marianna Brennand

A extensa ovação do público ao término da primeira sessão mundial de “Manas” na última  segunda-feira (2), no Festival de Veneza, foi apenas um prenúncio do que viria a acontecer poucos dias depois, no encerramento da competição. Nesta sexta-feira (6), o filme que marca a estreia de Marianna Brennand em longas de ficção levou o GDA Director’s Award, principal prêmio da Giornate Degli Autori, cujo objetivo é destacar obras autorais e cineastas emergentes com visão cinematográfica inovadora. Com a conquista, a cineasta se tornou o primeiro nome brasilieiro a atingir tal feito.



“Estou transbordando de felicidade e emoção. Esse prêmio é importante para mim como diretora, para toda a equipe brilhante que fez esse filme, para todas as “manas” do Pará, do Brasil e do Mundo. E é um prêmio que eu recebo em nome do nosso cinema brasileiro, ele representa nossa força, nossa verdade, nossa ousadia e coragem em resistir assim como nossa protagonista resiste e reage bravamente”, comemora Marianna.




O júri, presidido pela diretora Joanna Hogg, coordenado por Karel Och, diretor do Festival de Karlovy Vary, com o apoio da Europa Cinemas e Cineuropa, e composto por David Bakum (Alemanha), Victor Courgeon (França), Maarja Hindoalla (Estônia), Dimosthenis Kontes (Grécia), Amalia Mititelu (Romênia), Saulė Savanevičiūtė (Lituânia), Esmée van Loon (Países Baixos), Gregor Valentovic (Eslováquia), Isabella Weber (Itália) e Chris Zahariev (Bulgária), todos ex-participantes do projeto 27 Times Cinema, decretou o vencedor.



“Nos últimos dias, discutimos com muita paixão sobre dez filmes que exploram universos cinematográficos muito diversos, emocionando e surpreendendo-nos. Um filme em particular nos proporcionou uma experiência coletiva incrível. ‘Manas’ é uma janela para o mundo que, com um cuidado infinito pelos detalhes, mergulha o espectador em uma jornada imersiva e transformadora. ‘Manas’ nos conquistou pelo cuidado e atenção com que trata um tema delicado e difícil, como o abuso, tanto em âmbito doméstico quanto em contextos mais sistemáticos. Com esta narrativa precisa e culturalmente específica, na qual explora a Ilha de Marajó, a diretora retratou algo profundamente universal. Este filme se destacou no programa por sua maestria, as brilhantes interpretações e a nossa crença de que a sua forte mensagem ressoará com espectadores de todo o mundo, sensibilizando e clamando por mudança. Obrigado, Marianna Brennand, por dar visibilidade a essas histórias e obrigado às Giornate degli Autori por trazê-las à nossa atenção”, defende Joanna Hogg.



Concedido ao realizador do melhor longa da mostra, o Director’s Award foi anunciado durante a tradicional reunião plenária transmitida ao vivo na página do Facebook e no canal do YouTube da Giornate degli Autori. Além do troféu, o filme vencedor ganha uma premiação em dinheiro de € 20.000, a ser dividido igualmente entre o cineasta e o distribuidor internacional do filme, para promover a sua circulação.



“Acabei de assistir a deliberação do juri e a conexão deles com o filme, a maneira emocionada com que falaram do Manas, como reconheceram a importância cinematográfica do filme, a delicadeza com que essa história tão difícil é contada, de uma maneira respeitosa, verdadeira, usando a potência do cinema para colocar o espectador dentro da alma e do coração da Marcielle enquanto ela vive as maiores violências que uma mulher pode passar”, celebra Marianna. “Mais ainda, reconheceram a importância de uma história que precisa ser contada, dividida, porque ela é brasileira, mas universal. É possível tocar as pessoas com delicadeza, sem trazer mais violência para quebrar ciclos e padrões. Foi preciso ter coragem para fazer esse filme e espero que Manas possa lançar luz e encorajar mulheres a quebrarem silêncios e o tabu perpetuado por anos sobre todas mulheres do mundo. Axé Manas!”.



A produção traz no elenco a estreante Jamilli Correa, no papel principal, Dira Paes, Fátima Macedo e Rômulo Braga, além de atores e atrizes locais da região amazônica, onde foi filmado. O roteiro vencedor do Sam Spiegel International Film Lab é assinado por Felipe Sholl, Marcelo Grabowsky, Marianna Brennand, Antonia Pellegrino, Camila Agustini e Carolina Benevides.



“Manas” narra a história de Marcielle/Tielle (Jamilli Correa), uma jovem de 13 anos que vive na Ilha do Marajó (PA) junto ao pai, Marcílio (Rômulo Braga), à mãe, Danielle (Fátima Macedo), e a três irmãos. Ela cultua a imagem de Claudinha, sua irmã mais velha, que teria partido para bem longe após “arrumar um homem bom” nas balsas que passam pela região. Conforme amadurece, Tielle vê ruírem muitas das suas idealizações e se percebe presa entre dois ambientes abusivos. Preocupada com a irmã mais nova e ciente de que o futuro não lhe reserva muitas opções, ela decide confrontar a engrenagem violenta que rege a sua família e as mulheres da sua comunidade.


A fagulha inicial para a realização do filme ocorreu quando Marianna tomou conhecimento de casos de exploração sexual de crianças nas balsas do Rio Tajapuru, na Ilha do Marajó (PA). Em 2014, ela ganhou um edital de desenvolvimento de roteiro promovido pela Agência Nacional de Cinema (Ancine) e deu início às pesquisas para o trabalho, que incluíram diversas viagens para a região. Primeiramente, havia a intenção de realizar um documentário, campo no qual a cineasta atuava, mas logo essa ideia foi abandonada.



"No início da pesquisa, me deparei com uma questão ética muito séria. Era inaceitável para mim como documentarista colocar à frente da câmera crianças, adolescentes e mulheres para recontarem situações de abuso pelas quais haviam passado. Seria cometer mais uma violência contra elas. É um tema muito duro e complexo. O desafio era retratar não só uma dor física e emocional, mas também existencial, e isso foi algo que a ficção me permitiu trabalhar. Busquei estabelecer uma espécie de mergulho sensorial que conectasse o espectador à experiência emocional da protagonista. Eu optei por fincar o filme - em todos os seus aspectos - em um hiper-naturalismo que se liga ao documental, abrindo mão de qualquer artifício que pudesse desviar da vivência dela e de seu inconsciente”, explica a cineasta.


Para a composição do elenco, que teve direção de Anna Luiza Paes de Almeida e preparação de René Guerra, formou-se um núcleo adulto composto por atores profissionais com experiência em cinema (Fátima Macedo, Rômulo Braga e Dira Paes, além de Ingrid Trigueiro, Clébia Souza, Nena Inoue e Rodrigo Garcia) e um núcleo infantil escolhido a partir de testes com centenas de crianças moradoras da Região Metropolitana e de ilhas próximas a Belém.



Uma das mais talentosas e premiadas atrizes do cinema nacional, Dira Paes interpreta a policial Aretha. O papel foi construído baseado em pessoas reais como o delegado Rodrigo Amorim, conhecido por combater a exploração sexual infantil nas balsas da região, e em Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante, uma referência no enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes na região Amazônica. “A personagem da Aretha foi escrita especialmente para a Dira, que foi uma grande parceira desde o começo. A Dira sempre foi um farol para mim, uma mulher que me inspira pelo seu ativismo, uma das grandes atrizes brasileiras e uma mulher paraense que conhece muito bem a realidade que abordamos no filme”, comenta a diretora. 


Selecionada para viver a protagonista Marcielle, Jamilli Correa não tinha qualquer experiência prévia com atuação e surpreendeu pela técnica que demonstrou ao longo de todo o processo. “Eu sempre brinco que ela foi atriz em vidas passadas. A gente só destravou algo que já estava dentro dela. A Jamilli é uma força da natureza. Ela tem um silêncio preenchido que imprime na tela muitas nuances e uma inteligência cênica impressionante, qualidades raras”, resume Marianna Brennand. O brasiliense Rômulo Braga e a cearense Fátima Macedo, respectivamente nos papéis do pai e da mãe da personagem principal, completam o elenco principal do filme.



“Manas” é uma produção da Inquietude, em coprodução com Globo Filmes, Canal Brasil, Pródigo e Fado Filmes (Portugal), com produção associada da VideoFilmes e Maria Carlota Bruno (Brasil), da Les Films du Fleuve, Delphine Tomson e Jean-Pierre e Luc Dardenne (Bélgica) e de Dominique Welinski (França). Foi premiado com o Emerging Filmmaker Award (Sam Spiegel International Film Lab) e teve o apoio do Programa Ibermedia. No Brasil, o filme será distribuído pela Bretz Filmes.


Sinopse:


Marcielle, uma jovem de 13 anos que vive na Ilha do Marajó (PA), começa a entender que o futuro não lhe reserva muitas opções. Encurralada pela resignação da mãe e movida pela idealização da figura da irmã que partiu, ela decide confrontar a engrenagem violenta que rege a sua família e as mulheres da sua comunidade.


Sobre a diretora


A busca por contar e preservar histórias relevantes e invisibilizadas nos campos cultural e social é algo constante na trajetória de Marianna Brennand (Brasília, 1980). Após se formar em cinema na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, Marianna voltou ao Brasil com o projeto de realizar um documentário sobre o seu tio-avô Francisco,⁠ um artista brasileiro reconhecido mundialmente pela sua obra em cerâmica, erguida em cidades e no seu espaço, a Oficina Francisco Brennand. Investindo em uma abordagem narrativa poética construída a partir dos diários de seu personagem, “Francisco Brennand” estreou em 2012 e recebeu os troféus de Melhor Documentário Brasileiro - Prêmio Itamaraty e Melhor Filme Brasileiro - Prêmio Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) na 43ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Ainda no campo documental, Marianna dirigiu “O Coco, a Roda, o Pnêu e o Farol” (2007, Canal Brasil), sobre a rica tradição musical do "coco de roda” no bairro de Amaro Branco, em Olinda (PE), e produziu “Danado de Bom” (2016, direção de Deby Brennand) — trabalho vencedor de quatro prêmios no CinePE, incluindo Melhor Filme —, que resgata a trajetória de João Silva, um dos maiores parceiros de Luiz Gonzaga. “Manas”(2024) marca a sua estreia na direção de longas-metragens de ficção e é fruto de uma pesquisa de dez anos a respeito do complexo e delicado tema de abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes na Ilha do Marajó (PA). Fora do campo cinematográfico, Marianna segue trabalhando na preservação do legado da obra do seu tio-avô: ela assinou a edição dos quatro volumes do "Diário de Francisco Brennand" (2016, Inquietude) — vencedor do Prêmio Jabuti —, participou da idealização e edição do livro “No labirinto dos Sonhos: 50 Anos da Oficina Francisco Brennand” (2024, Oficina Francisco Brennand) e é a atual presidente do Conselho Deliberativo da Oficina Francisco Brennand, do qual também foi presidente da instituição entre 2019 e 2023.

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