* “De Menor – A Série” adota linguagem não naturalista para abordar audiências envolvendo adolescentes em conflito com a lei
* em 2020, a diretora venceu a mostra competitiva Generation 14plus do evento, com seu longa “Meu Nome é Bagdá”
“De Menor – A Série”, novo trabalho da diretora paulista Caru Alves de Souza, vai merecer pré-estreia mundial durante a 75ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, que acontece de 13 a 23 de fevereiro na capital alemã.
Produção ficcional que gira em torno de audiências envolvendo adolescentes em conflito com a lei, a série tem linguagem não-naturalista. Cada um dos seis episódios adota um gênero ou estilo diferente, incluindo musical, programa de TV, game e podcast. Em Berlim, são exibidos dois dos episódios: em um deles, um adolescente está sendo julgado por supostamente ser traficante e entra em um “conflito musical” com um juiz rigoroso que está em dúvida sobre qual sentença é a mais justa; no outro, a história de uma adolescente que comete um assalto para impressionar seu namoradinho é transformada em um programa televisivo sensacionalista.
Caru Alves de Souza já participou na Berlinale, como o festival é conhecido: em 2020, seu longa “Meu Nome é Bagdá” foi vencedor da mostra competitiva Generation 14plus do evento.
Segundo a diretora, a série busca “desnaturalizar uma situação extremamente violenta para com adolescentes desassistidos". Daí a opção por uma proposta não-realista, que acontece inteiramente em cima de um palco de teatro, sem ter suas estruturas escondidas, expondo a ideia de encenação e de que existe uma construção social por trás dessas histórias. Outro conceito muito importante foi o de criar situações que “quebravam” constantemente o fluxo narrativo para que o espectador se lembrasse que o que ele está vendo não é real - ainda que seja muito realista - numa tentativa de convidá-lo a refletir sobre o que ele está vendo.” (veja texto completa ao final)
Com seu roteiro final fruto de um processo colaborativo de criação desenvolvido junto ao elenco, a série conta com a atuação de jovens talentos, como os atores Grace Orsato, Giulia Del Bel, William Costa, que haviam participado de “Meu Nome é Bagdá”. Ao seu lado estão Benjamín, Luan Carvalho e Taciana Bastos. A obra tem ainda participações das atrizes Carlota Joaquina, Marina Medeiros, do músico Shabazz, Rita Batata e Giovanni Gallo. Estes dois últimos foram protagonistas do longa “De Menor”, vencedor do Festival do Rio em 2013 e que serviu de inspiração para a série.
“De Menor – A Série” é uma produção da Tangerina Entretenimento, empresa comandada pela cineasta Tata Amaral. A equipe criativa principal é composta pelo diretor de fotografia Leonardo Feliciano (o mesmo de “Marte Um”), a montadora Camila Rizzo, que acumula diversas premiações em eventos norte-americanos, e o diretor de arte Julio Dojcsar, conhecido artista visual, grafiteiro e cenógrafo. Participam ainda a figurinista Silvana Marcondes, elogiada por seus trabalhos em espetáculos teatrais, a preparadora de elenco Marina Medeiros (de “Ensaio Sobre a Cegueira”), o editor de som e mixador Pedro Noizyman e o autor da trilha musical André Whoong, que haviam trabalhado em “Meu Nome é Bagdá".
A primeira exibição na Berlinale 2025 acontece em 15 de fevereiro, sábado, no Zoo Palast, uma das mais tradicionais salas de cinema da Alemanha. Haverá, ainda, uma segunda projeção da obra, em data e local a serem anunciados pelo festival.
Viabilizada através do Fundo Setorial do Audiovisual, vinculado ao Ministério da Cultura, e pelo ProAc, programa de ação cultural do estado de São Paulo, a série recebeu, após a seleção na Berlinale, apoio da Spcine e do programa de internacionalização Brasil no Mundo, do Projeto Paradiso.
sinopse
“De Menor – A Série” é uma série para TV fictícia sobre injustiças que podem ser cometidas contra jovens em situação de vulnerabilidade. Baseados em histórias que giram em torno de audiências com adolescentes em conflito com a lei, em cada episódio seis jovens atores interpretam personagens de histórias que adotam um gênero ou estilo diferente em uma linguagem não naturalista, montadas em um palco de teatro. Assim, um episódio é musical, outro assume a forma de um programa de TV, um terceiro é tratado como uma audiência bizarra organizada em uma sala de jantar chique, enquanto outros diálogos estão em formato de podcast. Um defensor público e dois jovens se reúnem no sexto episódio para comentar o material gravado (como os vídeos da internet do gênero react).
palavras da diretora Caru Alves de Souza
Quando eu estava no meio do processo de desenvolvimento do “De Menor – A Série”, me dei conta de que estava diante de um universo extremamente delicado, que reunia, por um lado, situações familiares extremamente vulneráveis e, de outro, uma sociedade que não reconhece essa vulnerabilidade e muito comumente lida com ela de maneira punitivista. Também ficou evidente que essa situação se inseria em um contexto muito mais estrutural onde o preconceito racial, de gênero e de classe davam as diretrizes.
Duas experiências foram determinantes para ajudar a entender como eu poderia abordar dramaturgicamente essa questão extremamente complexa de uma maneira socialmente responsável. Em Meu nome é Bagdá, filme que dirigi e co-escrevi, reescrevemos as cenas e os diálogos a partir dos ensaios feitos com as atrizes e atores do filme, muitos deles skatistas que nunca haviam tido a experiência de uma filmagem. Esta metodologia de trabalho de mise-em-scène trouxe frescor e potência ao projeto, aclamada pelo público e crítica, como um ponto alto do filme. Anos depois fiz o Máster en Prácticas Escénicas y Cultura Visual no Museu Reina Sofia em colaboração com a Universidad Castilla La-Mancha, na Espanha, onde desenvolvi práticas performáticas de escrita coletiva com desconhecidos. Ou seja, o conceito de criação colaborativa, de potencialização das forças envolvidas no processo de criação, e o conceito de "ampliações de vozes" se tornaram imperativos desde então, me provocando a tentar trilhar um caminho mais ético ao entrar em um processo de criação de histórias, mundos e reflexões.
Para isso, o caminho que escolhi foi abrir a construção dramatúrgica da série para uma criação mais colaborativa onde tanto elenco como equipe criativa participou da concepção das histórias em uma tentativa de “refletir juntos” sobre aquela situação que se apresentava para nós. Reunimos experiências vividas e imaginadas, para escrever as histórias de cinco adolescentes que são julgados por algum crime que alegadamente cometeram, na tentativa de expor as engrenagens das estruturas sociais presentes em cada situação específica presente nas histórias. Assim, a série De Menor não pretende dar uma solução ou dar a palavra definitiva sobre algum assunto, isso seria um erro, o que pretendo com a série é mostrar o resultado de um processo de reflexão que um grupo de pessoas fez, e estender essa tentativa para aquelas pessoas que assistirem a série.
O primeiro conceito que queríamos trabalhar era com a ideia de desnaturalizar uma situação extremamente violenta para com adolescentes desassistidos. Daí a opção por uma proposta não-realista, que acontece inteiramente em cima de um palco de teatro sem ter suas estruturas escondidas, expondo a ideia de encenação e de que existe uma construção social por trás dessas histórias. Outro conceito muito importante foi o de criar situações que “quebravam” constantemente o fluxo narrativo para que o espectador se lembrasse que o que ele está vendo não é real - ainda que seja muito realista - numa tentativa de convidá-lo a refletir sobre o que ele está vendo.
Com isso, espero que “De Menor – A Série” seja uma experiência que leve a questionar a maneira que vemos o mundo, que possamos perceber que as estruturas sociais que achamos serem imutáveis ou as situações que achamos que são naturalmente de uma maneira, muitas vezes são, na verdade, fruto de construções sociais que podem – e devem – mudar urgentemente quando são injustas, e que a experiência de ver a série não acabe nos créditos finais.